sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O signo revisitado (Lúcia Santaella)



O signo revisitado




Segundo Santaella, em sua obra Teoria Geral dos signos, se o signo é algo que traz um objeto para uma relação com um interpretante, então o signo exibe consequentemente cada uma dessas três modalidades: 

 
        -    ele é algo em si mesmo (primeiridade)
  - ele é em conexão com um segundo (secundidade)
   - ele é uma mediação entre um segundo e um terceiro (terceiridade)





Assim, para Peirce, são três os modos como os fenômenos aparecem à consciência:

Primeiridade: a consciência num instante presente; consciência imediata tal qual é; nenhuma outra coisa senão pura qualidade de ser e de sentir. A qualidade da consciência imediata é uma impressão (sentimento), indivisível, não analisável, inocente e frágil. Tudo que está imediatamente presente à consciência de alguém é tudo aquilo que está na sua mente no instante presente.

Primeiridade é a categoria que dá à experiência sua qualidade distintiva, seu frescor, originalidade irrepetível e liberdade. Não a liberdade em relação a uma determinação física, mas liberdade em relação a qualquer elemento segundo. O azul de um certo céu, sem o céu, a mera e simples qualidade do azul, que poderia também estar nos seus olhos, só o azul, é aquilo que é tal qual é, independentemente de qualquer outra coisa. Mas, ao mesmo tempo, primeiridade é um componente do segundo.


Secundidade: Há um mundo real, reativo, um mundo sensual, independente do pensamento e, no entanto, pensável, que se caracteriza pela secundidade. É a arena da existência cotidiana. Estamos continuamente esbarrando em fatos que nos são externos, tropeçando em obstáculos, coisas reais, factivas, que não cedem ao mero sabor de nossas fantasias. O simples fato de estarmos vivos, existindo, significa, a todo momento, consciência reagindo em relação ao mundo. Existir é sentir a ação de fatos externos resistindo à nossa vontade. Certamente, onde quer que haja um fenômeno, há uma qualidade, isto é, sua primeiridade. Mas a qualidade é apenas uma parte do fenômeno, visto que, para existir, a qualidade tem de estar encarnada numa matéria (secundidade).

Secundidade é aquilo que dá à experiência seu caráter factual, de luta e confronto. Ação e reação ainda em nível de binaridade pura, sem o governo da camada mediadora da intencionalidade, razão ou lei.


Terceiridade: Finalmente, terceiridade, que aproxima um primeiro e um segundo numa síntese intelectual, corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamentos em signos, através da qual representamos e interpretamos o mundo. Por exemplo: o azul, simples e positivo azul, é um primeiro. O céu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul, é um segundo. A síntese intelectual, elaboração cognitiva – o azul no céu, ou o azul do céu – é um terceiro. Diante de qualquer fenômeno, isto é, para conhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenômenos. E isto, já ao nível do que chamamos percepção. Perceber não é senão traduzir um objeto de percepção em um julgamento de percepção, ou melhor, é interpor uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido.

Terceiridade: Nessa medida, o simples ato de olhar já está carregado de interpretação, visto que é sempre o resultado de uma elaboração cognitiva, fruto de uma mediação sígnica que possibilita nossa orientação no espaço por um reconhecimento e assentimento diante das coisas que só o signo permite.



A Classificação dos Signos de Peirce , segundo Isaac Epstein

O signo é a definição genérica que designa “algo que está por outra coisa”. Mas, para entender a classificação dos signos é preciso entendê-lo como uma correlação de variáveis: Os signos são classificados conforme a ‘função sígnica’.
Enquanto que as semiologias de origem saussureanas associam duas variáveis ao signo – o significante, situado no plano de expressão, e o significado, situado no plano do conteúdo, as semióticas de origem peirceana, por sua vez, levam em conta também o objeto, por exemplo, quando falam em índices e ícones.
De qualquer maneira, quando de utiliza o termo “signo” estamos nos referindo a uma função que articula duas ou três variáveis ou funtivos.
“O signo não é, pois, um objeto com determinadas propriedades, mas uma relação ou uma função. Classificar os signos equivale, então, a classificar esta relação que é a função sígnica.”
            Peirce classifica os signos dividindo-os de acordo com a função sígnica S = R (M, O, I), isto é, dividindo-os em três tricotomias:    ( I ) interpretante    (M)  meio        ( O ) objeto

            - a relação signo-meio                       S(M)    -          
            - a relação signo-objeto                     S(O)    -          
            - a relação signo-interpretante           S(I)      -          


Onde:
Primeiridade:             MM = quali-signo       OM = índice               IM = rema
Secundidade:            MO = sin-signo           OO = ícone                IO = dicente
Terceiridade            MI = legi-signo            OI = símbolo               I I = argumento

Assim , temos os seguintes tipos distintos de relações:

1.       O signo em si mesmo:
    qualidades = quali-signo
    fatos = sin-signo
    ter a natureza de leis ou hábitos = legi-signo

2.   O signo em conexão com o objeto
2.1     uma conexão de fato, não-cognitiva = índice
2.2     uma similaridade = ícone
2.3     hábitos (de uso) = símbolo

3.   O signo como representação para o interpretante
3.1 sendo qualidades, apresentando-se ao interpretante como mera hipótese ou rema
3.2 sendo fatos, apresentando-se ao interpretante como dicentes
3.3 sendo leis, apresentando-se ao interpretante como argumentos


            De acordo com a primeira tricotomia, relação signo-meio  S(M), o signo pode ser:
-       quali-signo: mera qualidade (uma cor através da qual o signo é expresso como meio)
-       sin-signo: um existente concreto (sin = singular, uma única vez): uma certa palavra, de uma certa linha, de uma certa página de um livro; uma certa placa de trânsito num certo local...
-       legi-signo: uma lei geral que é um signo e que conserva sempre sua identidade em todas as reproduções: “pare” é sempre o mesmo legissigno, escrita ou falada, independentemente de sua aparição em um momento e lugar determinado. O mesmo ocorre com o sinal de trânsito. Como lei geral é um legi-signo; em cada aparição singular é um sin-signo

            De acordo com a segunda tricotomia, relação signo-objeto S(O), o signo pode ser denominado de:
-       ícone: é aquele signo que indica uma qualidade ou propriedade de um objeto por possuir certos traços (pelo menos um) em comum com o referido objeto: fotos, quadros, desenhos, estruturas, modelos, esquemas... Os ícones comunicam de forma imediata porque são imediatamente percebidos.
-       índice: índices são os signos nos quais a relação signo-objeto é uma relação direta, causal e real com seu objeto, como por exemplo, o ponteiro de um relógio, um indicador de uma placa, uma flecha, um sintoma, o cata-vento que indica a direção do vento, a fumaça como indicadora da presença do fogo e mesmo pronomes demonstrativos como “esse”, nomes próprios etc...
-       símbolo: é aquele signo onde  a relação signo-objeto independe da semelhança (caso no qual seria ícone) ou das relações causais com o objeto (caso no qual é índice). É um signo arbitrário cuja ligação com o objeto é definida por uma lei convencionada.

Considerando a terceira tricotomia, relação signo-interpretante S(I), o signo pode ser denominado:
-       rema: a relação signo-interpretante S(I) é entendida como um predicado: “é vermelho” ou “é gordo”. Os remas não nos capacitam para uma decisão, pois do ponto de vista lógico um rema (ou um conceito) não pode ser verdadeiro ou falso. Os remas apenas despertam sensações (emoções e estados de ânimo): uma qualidade num objeto: “...é azul”; “...é um cavalo”
-       dicente: na relação signo-interpretante S(I) é capaz de ser afirmado e, portanto, logicamente pode ser verdadeiro ou falso: “o céu é azul”
-       argumento: é um signo cujo objeto é uma lei geral na sua relação com o interpretante. Deve, pois, necessariamente ser um símbolo e um legissigno. Exemplo: um silogismo.
Uma nova combinação dever conduzir a 27 tipos de signos dos quais Peirce trabalha 10
MM-OO-IM(I)                                     MI-OM-IO(VI)
MO-OM-IM(II)                                   MI-OIM(VII
MO-OM-IO(III)                                  MI-IO-IM(VIII)
MO-OO-IM(IV)                                  MI-OI-IO(IX)
MI-OM-IM(V)                                     MI-OI-II(X)

I.              Quali-signo, icônico, remático: uma cor qualquer que serve como signo de algo; um
II.            ,9sentimento de vermelhidão; uma palidez .
III.           Sin-signo, icônico, remático: um diagrama individual, com a curva da variação do dólar em relação ao real no último semestre
IV.          Sin-signo, indicativo, remático: um grito espontâneo
V.            Sin-signo, indicativo, dicente:  “é um catavento”
VI.          Legi-signo, icônico, remático: um diagrama geral, abstraída sua individualidade, com a mesma curva acima citada, independente da realidade factual.
VII.         Legi-signo, indicativo, remático: um pronome demosntrativo
VIII.        Legi-signo, indicativo, dicente: um pregão de rua; sinais de trânsito
IX.          Legi-signo, simbólico, remático: um substantivo comum; conceitos gerais: azul
X.            Legi-signo, simbólico, dicente: uma proposição; uma frase corrente, como “todos os brasileiros são sul-americanos” ou “alface é verde” ou “o céu é azul”.
XI.          Legi-signo, simbólico, argumental: sistemas de axiomas (“premissa que se admite universalmente verdadeira”: 2+3=3+2 ou a ordem dos fatores não altera o produto), silogismo (duas proposiões, chamadas premissas, delas se tira uma terceira, nelas logicamente implicada, chamada conclusão: Todo homem é mortal; José é homem; José é mortal)



(Lúcia Santaella)

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